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Vamos falar sobre coisas e pessoas”, diz Packer ao
seu possível assassino. Se essa fosse a premissa de Cosmópolis, novo filme do
diretor canadense David Cronenberg, talvez seus mais de 100 minutos chegassem
com mais facilidade ao espectador. Mas, não é; logo, a facilidade não vem.
Contudo, é a essa missão que os personagens, saídos do romance homônimo de Don
DeLillo, se lançam: falar sobre coisas e, esporadicamente, pessoas.O romance de
DeLillo, de 2003, se apoia em algumas previsões feitas por Karl Marx no
Manifesto do Partido Comunista, de 1884, para torná-las palpáveis numa sociedade
lavada pelos avanços tecnológicos e onde o capitalismo já chegou aos extremos
mais absurdos. Se George Orwell cria um panorama assustador em seu 1984, a
realidade projetada por DeLillo e recriada por Cronenberg é ainda mais
aterrorizante. Se lá, a ameaça vem de um sistema de opressão e controle ditado
por um Big Brother dono da verdade absoluta, aqui, ela tem outros contornos; uma
vez lidando com interesses pessoais, o inimigo está ao lado e não no alto da
pirâmide, e as relações humanas esbarram no instinto animalesco – para fazer
outra citação orwelliana. LeiaMais…
IG
A certa altura de “Cosmópolis”, o jovem bilionário
vivido por Robert Pattinson recebe um médico dentro de sua limusine branca, para
uma consulta de rotina. Entre os exames feitos, está o toque retal, em que o
doutor introduz o dedo no ânus do paciente para detectar irregularidades na
próstata. Pattinson não apenas fica de quatro na limusine como faz uma reunião
com uma de suas funcionárias enquanto o exame é feito. E ainda aparenta um misto
de desconforto e excitação com a situação – sentimentos que são compartilhados
por sua subordinada, vivida por Emily Hampshire. E Robert Pattinson? Merece
parabéns pela coragem em aceitar um papel oposto a sua imagem de galã juvenil e
também por sua ótima atuação. Ele constrói um Eric Parker gélido e impassível,
mas que deixa escapar medos e inseguranças por baixo da imagem de frieza. É sua
melhor interpretação até hoje. LeiaMais…
Toda esta jornada é transmitida pelo diretor David
Cronenberg através de diálogos densos, repletos de frases a pensar, que abordam
temas profundos como o capitalismo e o mercado global. Há um vasto simbolismo
explorado, desde a figura do rato como “moeda mundial” até a exploração da nudez
de uma das parceiras de Eric – é a luxúria lhe trazendo a necessária emoção de
momento. Um contexto ao qual Robert Pattinson se encaixa bem, por não lhe exigir
transmitir muitas emoções. Seu Eric Parker é seco e cínico, na medida exata para
o personagem. Além disto, Pattinson estrela uma cena marcante, quando passa por
um exame de próstata dentro da limusine. Seu rosto de desconforto em meio à luta
para manter fluente a conversa com uma de suas assessoras chama a atenção LeiaMais…
Tendo o novo ídolo adolescente, Robert Pattinson, como protagonista,
Cronenberg se apropria do universo criado pelo escritor Don Delillo em seu
livro, o transpondo para as telas, narrando a história de um jovem bilionário de
28 anos, que cruza Manhattan, em Nova York, dentro de sua limousine, com o único
objetivo de cortar o seu cabelo. Só que, durante o rallentado trajeto, vários
“personagens” cruzam o seu caminho, dentro e fora do veículo. Dentre eles uma
senhora louca (Juliette Binoche), um ativista revoltado (Mathieu Almeric), outra
doidinha (Samantha Morton), e por ai vai. Só que o papo que eles levam não passa
de epigramas melancólicas sobre vagos princípios universais que não mostram
sinais nenhum de entendimento. Monotonia pura. LeiaMais…
Quanto ao roteiro, o diretor afirma que conseguiu escrever todos os
diálogos em apenas seis dias. Segundo David Cronenberg, ele nunca havia feito
algo assim. Os três primeiros dias foram reservados a passar os diálogos do
livro de DeLillo para o computador, sem mudar ou acrescentar nada.LeiaMais…
“O carisma de Robert Pattinson em ‘Crepúsculo’ é evidente e vi que ele
seria perfeito para o tom do meu filme. Não foi uma questão apenas de
interpretação”, revela Cronenberg, que ainda viu mais dois filmes menores
(“Poucas Cinzas” e “Lembranças”) do ator para finalmente chamá-lo… Leia
Mais…
Aquele das interpretações antinaturalistas, em que os personagens parecem,
talvez, drogados. Ou sonados como velhos boxeadores depois de apanhar. É assim
nos primeiros diálogos do filme, em que o motorista adverte Eric Packer (Robert
Pattinson) de que aquele será um dia de trânsito terrível, porque vai passar o
presidente. “Que presidente?”, replica Packer LeiaMais….
O personagem odiável da vez é um grande investidor financeiro. Ele quer
atravessar Nova York em sua limousine para cortar o cabelo. No caminho, tem
diversos encontros dentro do veículo. Na verdade, as figuras que entram no carro
são a armadilha de Pattinson. Todas são mais interessantes e simpáticas do que o
protagonista LeiaMais…
O filme comprime ainda mais que o livro as cenas das reuniões. A ideia é
nos situar no tempo suspenso do protagonista, onde não se sentem as horas. Mas
eis que o tempo alcança Eric. O que está em curso aqui é menos uma metamorfose,
como se esperaria, e mais uma súbita tomada de consciência da mortalidade (outro
tema bem ao gosto do diretor). Eric fala idiomas, sabe de tudo, mas aos 28 anos
não consegue lidar com a descoberta da morte – seja a de um rapper que
ele admirava, ou o fim da sua fortuna, ou sua possível morte em decorrência de
um diagnóstico de “próstata assimétrica”. Eric vive num mundo etéreo movido por
ciclos iguais (uma personagem ressalta que ao redor do planeta, por causa dos
fusos, o mercado de ações nunca fecha) e nesse mundo, autosustentado e fadado a
se repetir, descobrir a morte é o mesmo que descobrir a História.
É uma mutação diferente, portanto, daquelas a que estamos acostumados nos
filmes do diretor, e Cronenberg não tateia sem tropeços essa transformação que
ocorre mais na percepção do mundo (o antídoto da imaterialidade da máquina seria
a passagem do tempo?) do que na experiência vivida com o mundo físico em si. Não
por acaso, a única mudança pesada que o diretor faz em relação ao livro é a
eliminação do último e redentor encontro de Eric com sua esposa, em que DeLillo
dava ao protagonista a oportunidade de experimentar o mundo da forma mais óbvia
possível: nu ao ar livre. Para Cronenberg, que nessa hora nos poupa de ver
Robert Pattinson pelado, a única forma de Eric Packer vivenciar de verdade o
mundo material é, como em todos os filmes do cineasta, por meio da
violência.LeiaMais…
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